Quem acredita na “imprensa”?

Em tempos de estupidificação da Ideologia e o apontar incessante para uma nova bipolarização do mundo, entre capitalismo selvagem e a possibilidade de socialismo, o pensador alemão Karl Marx é novamente invocado com a sua teoria da luta de classes e de materialismo histórico. Desta vez, o pensamento “O capitalismo gera o seu próprio coveiro”, não se trata de uma alusão fetichista de teóricos, comunistas e marxistas, em busca de uma revolução. Muito menos uma apropriação de ideias, para justificar a atual crise do capitalismo. Ao contrário do que imaginava o pensamento único, as paredes do muro ainda não caíram.

Detentora de poderes, a Imprensa – invenção da Idade Clássica ou Moderna – surge em um momento de consolidação da Ideologia burguesia. Instrumento próprio de saberes é o projeto-sujeito da validação dos discursos, seja no plano das ideias, da política, da economia, da cultura, da moralidade e da ética coletiva. Neste sentido, é também, apesar dos paradoxos, responsável pela consolidação das “democracias”, das repúblicas e do Estado de Direito, seja em momentos históricos específicos de servidão ao interesse público, ou aos interesses particularizados, de grupos ou de oligopólios.

Sem considerar, a priori, a importância atual da Internet, das redes sociais e das novas tecnologias de comunicação – experimentos avançados do capitalismo moderno – o foco da discussão recai sobre o papel da Imprensa, o seu caráter e gênese autoritário. Para avançarmos no debate, será necessário o entender e o distanciamento, entre o papel real da Imprensa, e a direção que os grandes grupos de comunicação tomaram desde o advento da supremacia norte-americana.



Em Ao Sul da Fronteira, documentário do ano de 2010, dirigido por Oliver Stone, a questão que se coloca não é apenas a do protagonismo das indústrias de comunicação na formação das opiniões em seus territórios, mas a importância que os seus discursos incorrem na geopolítica. O coveiro cava a sua própria cova.

Com uma fala da rede norte-americana Fox News Channel, sobre a existência de “ditadores” no mundo, em especial na América Latina, e que estes são viciados em drogas, a jornalista e apresentadora da primeira cena do DOC, evidencia não só a falta de informação, a infantilidade e a estupidez, como o alinhamento dos discursos da Imprensa dos EUA, com os grandes veículos da América Latina. Peças chaves nas contra revoluções sulistas, tais grupos pertencem aos bancos, às indústrias petrolíferas e farmacêuticas, que detêm 80% do controle da mídia.

Com personagens históricos e políticos locais como Hugo Chávez, Fernando Lugo, Luiz Inácio “Lula” da Silva, Evo Morales, o documentário evoca a importância da Revolução Cubana, liderada por Che Guevara e Fidel Castro nos anos 50.

Em cada país, notamos a desconstrução do discurso oficial norte-americano, pautado sobretudo, na “demonização” dos líderes populares e da implantação da Democracia Popular, não pelo desejo de Stone em polemizar, mas pelas circunstâncias históricas, políticas e as evidências das lutas de classes e sociais em cada país. Vitimados pela dominação espanhola, portuguesa e inglesa durante os séculos XV ao XVII, e recentemente pelos ideólogos norte-americanos do pós-guerra, em uma tentativa de proteção no plano discursivo, e de dominação e sujeição no plano da prática, acompanhamos perplexos, a cada fala e imagem o nascimento da atual América Latina. A materialidade do sonho de Bolívar.

Como em uma peça de teatro, que ainda não acabou, mas o fechar das cortinas anunciam apenas o fim do primeiro ato, “Ao Sul da Fronteira”, “desrespeitoso” por excelência, acaba a sua jornada no princípio da Revolução. Lá em Cuba, ao lado de Raúl Castro. Uma metáfora belíssima – em História as metáforas são permitidas? – sobre a importância da manutenção do país em “regime fechado”, focado em avançar na educação e na saúde. Sem este ponto, a América Latina não teria vislumbrado o feixe de luz da Revolução Democrática de 2002.

Por ironia, voltemos à Marx e à cova do capitalismo selvagem. Em 2002 na tentativa de golpe (por parte dos EUA) para depor o presidente Hugo Chávez, a população censurada e silenciada pela própria Imprensa local, recorre ao uso de aparelhos tecnológicos para a comunicação, como telefones celulares e a Internet. Uma constatação: ou as esquerdas e os movimentos contrários ao pensamento único ressignificam o papel da imprensa, do jornalismo e de suas forças de comunicação, ou continuaremos nocauteando no escuro as estátuas de “liberdades”.

Ao Sul da Fronteira, de Oliver Stone.

Título original: (South of the Border)

Lançamento: 2010 (EUA)

Direção: Oliver Stone

Atores: Hugo Chávez, Fernando Lugo, Luiz Inácio Lula da Silva, Evo Morales.

Duração: 78 min

Gênero: Documentário

Sinopse: O diretor Oliver Stone viaja por seis países da América do Sul e ainda Cuba, em uma tentativa de compreender o fenômeno que os levou a ter governos de esquerda na primeira década do século XXI. Através de conversas com Hugo Chávez (Venezuela), Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Fernando Lugo (Paraguai), Rafael Correa (Equador) e Raul Castro (Cuba), é analisado o modo como a mídia acompanha cada governo e o maneira como lidam com os Estados Unidos e órgãos mundiais como o FMI.

Ponto de vista: “Simulacro e Poder – Uma análise da Mídia”, de Marilena Chaui, Editora da Fundação Perseu Abramo – 2ª Reimpressão. (http://www.efpa.com.br/)

By Brunno Almeida Maia.
brunnoalmeida@brrun.com
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