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Não sou muito assíduo dos trens, mas desde menino sou fascinado por eles. Tempos de ferrorama.
Amo as paisagens que passam pela janela, os trilhos ao lado e os encontros entre os trens durante a viagem.
Tudo começa na estação com aquele som reverberando num pé direito muito alto (isso nas grandes estações). Entre conversas de todos os tipos, as pessoas esperam embarcar para os seus destinos. Então ele chega não muito barulhento, mas com aquele som característico do aço em atrito, assim como um som de faísca. Todos entram, o sinal toca, as portas se fecham e assim começa mais uma viagem.
Em horários mais cheios não é possível ver nada alem das próprias pessoas. Como são belas, não por sua estética e sim por suas vidas. Dependendo da linha é possível ver todo tipo de classe social dependurada nos canos do teto do vagão, todas as idades se espremem uns juntos dos outros, dos engravatados aos de chinelo, todos em busca dos seus destinos. Os jovens geralmente têm um estilo próprio compilado de hip hop, outras manifestações da cultura negra e do futebol, mesmo não sendo negros. Por sinal é muito comum se deparar com ruivos e louros de olhos claros, que geralmente não vemos em outros coletivos pela cidade. Em sua maioria educados, vão lotando os trens.
Eu uso um trecho muito curto, pouco mais de quatro estações dentro do perímetro urbano interno de São Paulo, não me canso da poesia férrea.
Toda viagem me remete a primeira viagem a Paranapiacaba aos 12 anos e outra um pouco mais longa ao Rio de Janeiro no trem de prata poucos anos antes. Esse outro tipo de trem com cabines individuais, vagão restaurante e viagem de mais de 6 horas durante a noite. Nunca mais me esquecerei do encontro com o banheiro da cabine privativa, ao abrir a tampa do vaso podia ver os mordentes correndo lá embaixo, foi assustador me sentar ali, fora o medo de ser abduzido pelo buraco, a consciência de saber que tudo ia ficando pelo caminho… Pedaços meus.
Depois do incrível jantar no carro restaurante, demos uma passada no piano bar, naquele balançar do vagão o som do piano se misturava ao som dos trilhos e por vezes a buzina do trem abafava todos os outros sons. Um comprimido e cama na cabine privativa. Ao acordar pela manhã estávamos no Rio em plena Central do Brasil. Foi uma das ultimas viagens do trem de prata, pouco tempo depois no final da década de 80, aquela linha e aqueles carros foram aposentados e nunca mais o trajeto Luz / Central do Brasil foi feito.
Voltando a um horário menos lotado das linhas urbanas, meus olhos se perdem na paisagem geralmente composta por vagões abandonados, velhos galpões, algumas favelas e muitas edificações feitas de tijolo aparente, tem sempre um certo cheiro de queimado no ar. Minhas lembranças vão se sobrepondo a aquelas imagens que correm pelas janelas, em momentos interrompidos pelas pontes que atravessamos durante a viagem. Muitas vezes o som dos mordentes é abafado por uma espécie de jazz nos fones de ouvido que me remetem a Jack Kerouak e suas andanças. Assim vou me perdendo em observações, lembranças, em sonhos de romances iniciados entre uma estação e outra, aos assassinatos no trem pagador e tantos outros filmes que se passam dentro dos trens.
Quando caio novamente num momento de lucidez estou na catraca e em devaneios que percorrem os trilhos já perto do meu destino. Mesmo alem de 100 metros de distancia tudo que a vista alcança é trem.
A vida poderia ser dentro de um vagão, em busca desse destino.
Aqui estou eu escrevendo esse texto dentro de um desses vagões, na noite de 9 de maio de 2011. O carro está quase vazio e quando tiro os olhos do caderno vejo as pessoas entre esses vagões, as luzes longínquas dos prédios ao redor da linha e aquelas lembranças todas. O trem passa lentamente sobre a marginal e vamos em direção a luz e sei que ao chegar no meu destino estarei desejoso pela nova viagem que terei daqui a alguns dias.
CHANEL N°5 film by Jean-Pierre Jeunet with Audrey Tautou and Travis Davenport.
By Yuri Pinheiro.
yuripinheiro@brrun.com
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