BRRUN entrevista Walter Rodrigues

Walter Rodrigues  @ Entrada final / Fashion Rio Spring 2012
Walter Rodrigues  @ Entrada final — Fashion Rio Spring 2012

Em meio aos preparativos para o Preview do Inverno 2013 em Novo Hamburgo — evento que aconteceu dia 08 de maio, comando por Walter na Fenac — Walter — sempre querido —, abriu uma exceção para conversar com o BRRUN.COM. Acompanhe abaixo as perguntas feitas ao Walter pelo nosso colunista Brunno Almeia Maia:

BRRUN.COM — A escritora inglesa Virginia Woolf diz em seu “Teto todo seu” que literatura é uma espécie de teia que perpassa, interfere e até certo ponto, se entrecruza com a vida – material e ideal – do criador. Não vejo muito sentido em dizer o contrário para a criação da beleza em moda, já que longe de alguns críticos, coloco-a em uma forma também de arte. Pensando nisto, o que o Walter anda sentindo, idealizando, sonhando e desejando para a próxima coleção que esteja ligada com o presente de sua vida? Ainda. Li que você vai para a Coréia, Vietnã e Camboja. Estamos curiosos. O que Walter, como criador, vai buscar nestes lugares para as próximas coleções?

WALTER RODRIGUES — Confesso que também acredito nisto. É impossível hoje criar, seja o que for sem levar em conta as experiências. Este vivenciar permite você ser tocado sensorialmente por tudo, sejam imagens, sons, sabores. Tudo isto e mais a cultura imaterial de um lugar com certeza farão a diferença no momento de criar algo original e autoral. Neste momento eu estou em um período sabático. Decidi pular o Verão 2013. Finalmente o calendário brasileiro será renovado, era preciso, não podíamos continuar a lançar as coleções tão tarde. Tudo ficará mais organizado a partir de agora. Mas para tudo entrar nos eixos, também é necessário fazer três desfiles ao ano, e isso estava fora de cogitação para mim. Também havia a viagem para a Ásia, que faz parte do meu trabalho como Coordenador do Núcleo de Design da Assintecal. Nesta viagem eu e Ilse Guimarães, superintendente da Assintecal, buscaremos novos caminhos visitando a Coréia, o Vietnã e o Camboja. Sei que serei tocado pela beleza e pela cultura destes lugares mágicos. Confesso a ansiedade com tudo isso.

Walter Rodrigues - Fashion Rio Fall 2012 Walter Rodrigues - Fashion Rio Fall 2012 Walter Rodrigues - Fashion Rio Fall 2012
Walter Rodrigues — Fashion Rio Fall 2012

BRRUN — Eu fiquei curioso quando um jovem estilista brasileiro disse que não fazia moda, mas sim roupa. Até escrevi naquele meu artigo que fiz para o fanzine do Fórum de Inspirações da Assintecal algo como – ao se referir ao trabalho de modelagem de Kawakubo – “só faço roupa. O resto vem depois“. Tenho pensado muito nisto: sobre o que é materialidade que se transforma em um signo. No fundo – se pensarmos – ela destoa o poder egocêntrico do mecanismo da moda (sistema binário) e coloca a criatividade e a poesia na persona que traz essa poética para o corpo, ou ainda, mostra como o poder da moda é transversal, descentralizado e muito mais complexo. É interessante e polêmico esse pensamento, você não acha?  Até que ponto essa frase é mais um jogo de palavras que reside na beleza ou uma sinceridade para um processo criativo?

W.R. — Para mim moda deve ser entendida em três momentos. Claro, há o momento da criação na qual se refere este “estudante”, mas moda não fica só neste patamar. Ela se estende e é absorvida em outras sequências, até que ela se banalize e saia de cena, sendo que neste momento outros movimentos já estão sendo expandidos. Tentarei explicar! Momento 1: Aqui falamos de pessoas especiais, que pode ser o nosso jovem estudante ou pode ser qualquer um não conformado com o rumo estético do momento. Este indivíduo é tocado por uma energia que pode ser a da música, da arte, da TV ou do cinema, e no momento de se vestir, ele buscará uma nova forma de expressar este descontentamento, criando assim uma nova maneira de portar a roupa. Por isso entendo a importância de fazer “roupa” e não moda, mas vamos adiante… look feito: nosso jovem irá se diferenciar, será notado e despertará em outros uma vontade de compor seu look inspirado nesta nova maneira de editar as roupas. Momento 2: O tal Look passa a ser trabalhado por um grupo de pessoas que se comunicam e que transmitem aos devidos canais de difusão, o qual cool, esta nova ideia de moda. Momento 3: Imediatamente esta imagem – que até então estava resumida a vontade do nosso jovem estilista de mostrar-se independente do mainstream – torna-se um desejo ampliado para outros jovens – também tocados pela música, pela arte, pela TV e  pelo cinema –  intensificando o consumo e pulverizando a idéia, esgotando-a. Para mim Moda sempre será “parecer com”. Sempre teremos um ponto de partida para atingirmos esta originalidade que será copiada e encontrará seu fim no momento que descobrirmos outra silhueta a quem gostaríamos de parecer. “É que Narciso acha feio tudo que não é espelho”, já cantava Caetano.

BRRUN — Creio que foi o pensador francês Roland Barthes que disse algo como: a moda com m minúsculo é a poética e Moda com M maiúsculo é o sistema. Faz sentido pensar nisto em um momento em que a subjetividade virou mercado e o mercado se subjetivou?

W.R. — Acho que Moda – sistema – não existiria sem a moda, poética. Para que exista o sucesso do sistema, deverá existir uma poesia. Neste momento difícil em que se encontra o mundo, o mercado tentará subverter tudo o que ele encontrar de poético para alavancar as vendas. Hoje trabalhamos buscando nichos de mercado, segmentando os produtos, focalizando lifestyles. Se o que é subjetivo pode virar lucro, vamos descobrir uma maneira de torná-lo acessível a todos, democratizando-o e até banalizando-o em troca de lucros. Hoje neste mercado voraz, não há mais pudor ou regras. É olho por olho e dente por dente.

Walter Rodrigues — Fashion Rio Spring 2012 Walter Rodrigues — Fashion Rio Spring 2012 Walter Rodrigues — Fashion Rio Spring 2012
Walter Rodrigues — Fashion Rio Spring 2012

BRRUN — Na temporada de inverno 2012 de Paris, o crítico Tim Blanks do Style.com, ao falar da apresentação de Rei Kawakubo com sua Comme des Garçons trouxe para o debate a questão da tridimensionalidade de um desfile na transmissão online. Se chegarmos neste estágio, teremos na “sala de desfile” apenas a roupa, a modelo e a poesia? Até que ponto o contato com o público – neste momento– é importante para a criação e afirmação de uma nova estética de moda?

W.R. — Acho que é fundamental que haja público. É indescritível para quem trabalha, estuda e vive de moda sentir aquele frio na barriga por saber que esta vivendo um momento único de uma grande coleção. O mágico disto é que nem o designer pode prever o que acontecerá, e assim só teremos criticas apaixonadas e debates calorosos se houver a presença do público. Entendo a necessidade de ampliar com tecnologia a atenção de novas audiências, mas para mim este efeito tecnológico deve ser usado em outro estágio e não no início, poético de uma expressão de moda. Confesso que o vídeo nos deu uma nova maneira de compreender um desfile. Antes o fazíamos apenas por meio das fotos. Apenas a parte frontal das modelos era revelada, cabendo a nós, interessados, definir ou imaginar as costas de uma roupa. Hoje podemos vê-las em movimento e assim analisá-las tridimensionalmente, entendendo a mensagem enviada pelo designer, sem tentar adivinhá-la. Hoje sabemos a importância das imagens de um desfile. Em como estas – no caso da Comme des Garçons – influenciará na venda das outras etiquetas do grupo, como a Play, Comme des Garçons Shirt, Comme de Garçons Tricot. Nesta arena em que estamos situados vale tudo para sermos notados, reverenciados, desejados. A estranheza já provou em muitos casos ser um fator importante para a perpetuação de uma marca.

BRRUN — Em um momento histórico causado pelas mudanças climáticas, ambientais e ecológicas, faz sentido – ainda – dividir um calendário de moda de um país pelas estações? O que você pensa sobre isso, já que acaba de anunciar que não fará parte da temporada de desfiles do Verão 2013 do Fashion Rio?

W.R. — Tenho afirmado que não criaremos mais por estação, podemos explicar isso pelo fenômeno do fast fashion, coleções menores em um curto espaço de tempo, buscando conquistar o consumidor pelo “novo”. Sendo assim o conceito de verão ou inverno será diluído. Podemos também procurar entender novos caminhos, como é o caso do hemisfério sul em que vivemos. A grande quantidade de aparelhos de ar condicionado faz com que tenhamos peças de mangas compridas em todas as coleções. Estamos vivendo sob os 18/20 graus, seja no trabalho corporativo, nos shoppings centers, nos aviões, nos cinemas, em casa. Mesmo nas coleções de alto verão é possível encontrar cardigãs leves para suprir esta nova demanda. Mas no Brasil, há muito se discute esta nova ordem, e eu concordo com ela. Para planejar e produzir este novo calendário é melhor. Basta dizer que teremos natal e ano novo: algo que nunca acontecia!

BRRUN — Walter, se você tivesse o poder para determinar o formato de uma temporada de moda brasileira, como seria a apresentação poética e comercial do evento?

W.R. — A parte poética que é bem pequena ficaria bem resolvida, pois já estamos aptos a promovê-la. Ela também está “contaminada” por marcas e produtos que nada têm de poéticos e que estão atrelados a ela, para buscarem uma imagem de moda, sendo que eles são apenas produtos sem identidade e sem motivação para serem poéticos. Eu apenas dividiria em dois tempos: um para as ideias e outro para as vendas, canalizando este segundo momento para o consumidor e dando chance a ele para interagir e sair de lá vestido ou calçado sem ter que esperar. Infelizmente, sabemos que as idéias não movem os moinhos, e então, precisamos no final das contas, de ficarmos conformados com a mistura, e fazer das idéias poéticas um “trampolim” para fugir da mesmice. Confesso que dói dizer isto, mas é a realidade.

BRRUN — Em aproximadamente 30 anos de moda brasileira: o que é “nosso” e o que ainda é desejo apenas de ser destaque do dia seguinte?

W.R. — Trinta anos é muito pouco tempo para a definição de um caminho ou de um Made in Brazil. Imagine a dificuldade de desatrelar-se do folclórico, do exótico, do piegas, que é o que muitos entendem como o “estilo brasileiro”. Já temos referências de estilo, já discutimos como podemos ampliar a expressão de autenticidade do nosso lifestyl, que sabe encantar. Cada vez mais precisamos buscar nossa originalidade e fazer disso nossa moeda. Não basta imitar, “copiar melhor”, adaptar o que é costumeiro aqui no Brasil em termos de design. Temos que entender a sintonia de gosto e estilo do que esta sendo desejado no mundo, e projetarmos estes sinais em nossos produtos, tornando-os desejáveis, porém únicos.

Walter Rodrigues — Fashion Rio Fall 2011 Walter Rodrigues — Fashion Rio Fall 2011 Walter Rodrigues — Fashion Rio Fall 2011
Walter Rodrigues — Fashion Rio Fall 2011



Texto: Brunno Almeida Maia e Walter Rodrigues
Edição: Bruno Capasso


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Fotos: Divulgação