Dando continuidade às entrevistas feitas ao júri do Hyères International Fashion + Photography Festival, agora o membro sabatinado foi Olivier Saillard, diretor do Galliera Fashion Museum. Além disso, Saillard possui duas exposições estreando quarta-feira no Cite de la Mode: Cristobal Balenciaga Fashion Collector e Comme des Garçons White Drama.
Para acompanhar a entrevista realizada com Marc Ascoli, clique aqui.
Acompanhe abaixo com exclusividade as principais perguntas feitas a Olivier Saillard.
Olivier Saillard by René Habermacher.
BRRUN.COM – O senhor poderia comentar em que medida hoje a Moda aparentemente estaria recebendo mais influências da própria Moda do que, por exemplo, da História ou da História da Arte?
OLIVIER SAILLARD – É verdade que há na moda, como em outras disciplinas artísticas, devo dizer, uma espécie de endogamia, pela força de citações e espelhamentos através da internet e twitter. Casas de moda estão desaparecendo em sua própria reflexão e no final acabam provocando a criação de padrões intercambiáveis.
Este será provavelmente identificado como o “mal” dos anos 2000 e 2010. O monopólio de marcas de luxo e outros grupos trouxe à luz a sua fórmula. Eu acredito no retorno ao estilista enquanto criador da mesma forma que eu acredito na soberania do autor. Existem na moda alguns efeitos bumerangue imediatos que a protegem da mecânica pela qual os empresários desejam duplicá-la.
Por outro lado, eu estou desconfiado da proliferação em cada rua de boutiques que estão destruindo o olhar determinado que poderíamos ter na criação de moda.
Este excesso de abundância é a fonte de sua própria repulsa.
– Por que o vestuário é algo considerado tão importante?
O. S. – Correríamos o risco de parecer um pouco primitivos porque teríamos muito frio se tivéssemos de viver nus, a não ser que todos se mudassem para lugares mais quentes!
Indo além das considerações climáticas, eu adoraria ver uma peça de roupa como uma solução e perceber que alguns estilistas são, até hoje, preocupados com a idéia de resolver, através da maneira de se vestir, nosso guarda-roupa de todas as manhãs.
– Você produziu trabalhos que atravessaram a linha entre moda e performance. Ou talvez nem haja linha alguma. Ao olhar para as coleções do festival, o quão importante é o elemento de apresentação para você? Como lidar como uma apresentação pobre de uma grande peça de roupa?
O. S. – Agora mais do que nunca as apresentações me interessam menos do que as peças propriamente ditas. Eu abro mão de um desfile de moda e prefiro apreciar uma apresentação em um show room. Assim, não há jeito de enganar. Apresentação envolve a imagem.
Hoje um desfile de moda dura em média de 7 a 10 minutos. Na década de 80 durava 40 minutos e nos anos 50 mais de 1 hora e meia. Isso significa que a moda ao vivo leva um tempo para assistir como o que você assiste na internet. Esta tirania da imagem que está matando a ambição de se vestir pelo lucro do sensacionalismo devem ser evitadas, exceto quando se afirma como parte de um projeto.
Uma apresentação ruim não pode influenciar a minha percepção sobre a roupa, mas pode me trazer duvida quanto a capacidade do estilista.
Olivier Saillard em “Century 18 Up to Date”, por Antoine Asseraf, parte da “Vogue àVersailles”.
– Você já viu de perto tantos trajes históricos quanto roupas que estavam na vanguarda das técnicas de moda e tecnologias de sua época. Qual seria a técnica mais avançada ou intrigante ou mesmo o aspecto em moda que está disponível hoje e que não havia no passado?
O. S. – Me parece que somente Azzedine Alaila é tecnicamente virtuoso.
Comme des Garçons, Rei Kawakubo e Junya Watanabe parecem sempre abrir novos caminhos de pesquisa que, sem ter que fazer com alta costura, enriquecem o vocabulário formal e técnico da moda. Eu também vejo em Nicolas Ghesquière um talento obtuso para renovar a pesquisa têxtil para torná-lo contemporânea para o bem.
Mas devo admitir que é no campo das roupas esportivas que a pesquisa é pioneira e democrática. É lamentável que o vocabulário estilístico é substituir essas descobertas, o que torna a roupa mais fina, mais leve e mais eficiente. Os motivos, bem como os cortes, são inspiradores.
– A moda tem sido uma transmissora imediata de novas idéias e uma prova da evolução social e cultural. Por um bom tempo isso acontece, agora que experimentamos a moda reciclando-se em um ciclo cada vez mais rápido, a um ponto onde vale quase tudo. Olhando para a história, como você analisa o papel da moda hoje?
O. S. – Esta renovação constante cuja única função é desenvolver as vendas, não afeta a silhueta de como poderíamos pensar. De fato demoram anos para uma tendência se tornar um registro e criar raízes. Provavelmente levou mais de 10 anos para a cintura baixa fazer o seu caminho no armário de todo mundo. Levará muitos anos para a cintura voltar ao normal.
Modismos parecem como epifenômenos em comparação com a silhueta restrita de nosso guarda-roupa atual, que nasceu no final da década de 90.
Há um paradoxo entre o universo possível da “moda para todos” graças às grandes marcas democráticas que seguem muito de perto as apresentações de influentes estilistas (que também podem estar assistindo) e na extremidade oposta uma espécie de rejeição do público mainstream para a criação de moda (alimentada pelos meios de comunicação que estão amarrados dos pés à cabeça com os anunciantes).
Paralelamente não há estilistas “condenados” cujo talento esteja sendo ignorado. Isso é algo que merece ser comemorado.
– Qual é a última coisa que você experimentou, viu ou ouviu que estimulou você?
O. S. – De um modo geral apenas o passado me estimula. A atual tirania do modo como é alimentada pela internet me faz querer ficar fora. Acho que todas as pessoas que vivem novidades um pouco tristes porque eu reconheço, no entanto um monte de trabalho e energia desperdiçada. O que me estimula são posições de resistência tais como Azzedine Alaia. Isso é o que a história da moda vai manter. Há uma profunda necessidade de quebrar todos os moldes comerciais para favorecer o crescimento de novos nomes e novos talentos.
Ler é sempre um elemento estimulante para mim. Recentemente li “Aurelien”, de Aragon e me trouxe muito prazer. O livro é, mais do que qualquer coisa para mim, uma forma de adoçar estas considerações e uma maneira de nos lembrar que o pensamento ainda pode ser um programa criativo.
Além disso, o que me estimulou mais do que tudo foi a mudança de minha irmã para Saintes Marie de la Mer (na região de Camargue, no sul da França perto de Arles). Todas as manhãs ela atravessa a estrada para ir nadar. Neste momento eu não vejo melhor maneira do que essa de ser feliz.
Olivier Saillard em “Century 18 Up to Date”, por Antoine Asseraf, parte da “Vogue àVersailles”.
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Fotos: René Habermacher and Antoine Asseraf © Copyright — Hyères 2012