Ozon, um eterno jovem realizador, continua não importa o tempo que passe um exímio garoto apaixonado pelos seus universos, dos mais barrocos e enfeitados artisticamente aos mais realistas e sensíveis. Há sempre uma vontade de avançar em direção a uma outra realidade, superá-la enquanto graça, pois sua única existência real não é bastante para a grande vivência de sua construção. Casos assim encontraremos em muitos de seus filmes, seja na cristalina distorção imaginativa de ‘Swimming Pool – À Beira da Piscina’ (Swimming Pool), ao romantismo quase literário de ‘Angel’, a fragilidade emotiva de ‘O Tempo que Resta’ (Le Temps qui Reste) ou em outro recente filme a junção de um realismo quase documental que tende ao fantástico na surpreendente doçura de ‘Ricky’.
Se lá o tempo era a década de 50, o flerte com a literatura policial de Agatha Christie (que reaparece em Swimming Pool em contexto e uso completamente diverso) e o musical, aqui estaremos rapidamente inseridos na iconografia vintage que vai dos figurinos às cartelas iniciais pertencentes aos 70s. Mas talvez o elo mais expressivo entre os filmes, maior do que a caracterização histórica ou os exageros da dramaturgia em favor do riso é certamente a presença robusta de Catherine Deneuve.
YES SIR, I CAN BOGGIE
A família Pujol é dona de uma fábrica de guarda-chuvas que anteriormente era do pai de Suzanne, mas que atualmente após décadas de matrimônio ficou a cargo da direção de Robert. O casal possui dois filhos, Joëlle com seu visual Farrah Fawcett (Judith Godrèche), de perfil mais direitista e conservador e Laurent (o ator dardenniano Jérémie Renier), reflexo de uma juventude ‘revolucionária artisticamente’. E é justamente a partir de uma conversa entre mãe e filha no quarto que Suzanne percebe claramente como é apenas mais uma peça dentro da máquina familiar burguesa, como um vaso, ou mais especificamente como um troféu que o marido guarda com satisfação dentro de sua residência controlada e aparentemente harmônica.
Não que Suzanne assim como uma série de outras esposas não saiba das eventuais aventuras de infidelidade do marido, seja com mulheres locais nas noitadas que acontecem no Badaboum Club, espécie de discoteca da cidade, ou mesmo com sua fiel secretária Nadège (Karin Viard).
A fábrica de guarda-chuvas não passa por bons momentos, os trabalhadores estão insatisfeitos e prometem instaurar uma greve nas atividades o mais rapidamente. Robert e seu posicionamento de ferro perante as exigências dos funcionários não atenua em nada a crise em todos os departamentos e a situação chega a seu limite quando ele é mantido refém dentro da indústria pelos próprios trabalhadores numa alusão clara a ‘Tudo Vai Bem’ (Tout Va Bien), de Jean Luc Godard e Jean Pierre Gorin. Saem as salsichas e entram os guarda-chuvas, numa outra bela referência agora feita a Jacques Demy e ‘Os Guarda-Chuvas do Amor’ (Les parapluies de Cherbourg), não por acaso protagonizado por Deneuve no auge de sua beleza e graça.
Ozon então brinca com um duplo sentido político através da sátira tanto dos costumes quanto das próprias relações comerciais e afetivas. Haverá a partir daí uma dupla instituição em jogo, a industrial e a familiar bem como um afável e divertido conflito das bipolaridades que vão das relações entre burguesia e proletariado, direita e esquerda, marido e esposa até se estender ao próprio par homem e mulher. A política tratada por ‘Potiche’ atinge Suzanne tanto no coração quanto na mente. De uma só vez em pouco intervalo de tempo a personagem se vê motivada a tomar atitudes, rever posicionamentos enquanto esposa e detentora dos direitos e deveres da direção da fábrica.
A revolução de Suzanne facilmente passar a contagiar tudo aquilo que a cerca, dos filhos que agora também passam a integrar a fábrica em funções que contemplam seus gostos e personalidades, aos funcionários que passam a se sentir mais motivados, num ambiente de trabalho funcional, leve e materno.
Paralelamente a isso Deneuve empresta jovialidade e beleza desenhando nuances de sua personagem nos encontros cada vez mais comuns que passa a ter com Babin mostrando como além de ícones do cinema francês, ela e Depardieu formam uma boa dupla em cena parecendo dois antigos amigos que se reencontram.
‘Potiche’ com sua despretensão narrativa de enorme graciosidade nada mais é do que um grande piso de twister setentista no qual os personagens ora se divertem trocando pés, mãos e procurando manter a classe em suas posições particulares e bem resolvidas, ora dançam como num dancefloor cômico ao som de Baccara ou BeeGees. Alguns caem, outros se levantam e continuam sorrindo, mas Catherine Deneuve triunfa, vence a diversão e mostra que o grande prêmio a ser ganho é o prazer de vê-la dentro dele. C´este beau la vie.
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