Casa de Criadores F/W 12 – Day 2


Foto: Ligia Cristaldi @ BRRUN.COM.

Em um segundo dia de desfiles sem fortes emoções, Karin Feller, Danilo Costa e Weider Silveiro foram os destaques da noite na 30ª Casa de Criadores.


No reino da fantasia – Jonathan Gurgel

O segundo dia de desfiles de Inverno 2012 da Casa de Criadores começou com a apresentação de Jonathan Gurgel no Projeto LAB. O oposto do dia anterior, em que as palavras de ordens foram o deboche e a tentativa de uma imagem poderosa. Desta vez, o tom foi pautado logo de início, com a coleção de Gurgel. A fantasia emocional que adoramos, cede lugar a uma imagem quase infantil e jovial. Se o inverno no primeiro dia era glacial, aqui é o dos trópicos. Para justificar sua ideia, o estilista foi buscar inspiração no filme Laranja Mecânica e no trabalho de modelagem futurista (sim, novamente) do francês André Courrèges. O que notamos, no entanto, é uma coleção que lembrava uma tarde de passeio em um bosque de conto de fadas. Imagens de bonecas, do escapismo, da diversão, da “meninice”, e quase de uma Chapeuzinho Vermelho apareceram nas padronagens em xadrez, peles sintéticas, franjas, tecidos tweed e o tricoline. Apesar do sonho dentro do sonho, temos bons momentos de exercício maduro de moda, como o sexto look do macacão vermelho, a calça pantalona azul, a sobreposição do oitavo look do vestido azul com capa – sacada de stylist – e o colete que tanto amamos. Com estas peças mais realistas, não cabe aqui invocar a máxima waleriana do dia anterior, em que às vezes, um pouco de “fantasia” cai bem.

A verdadeira heroína – Spirodiro

Quem trabalha com o universo infantil – e aqui, não estou falando de tema de coleção – sabe do território perigoso, mas delicioso, que é o da molecada. Silvia Ferraz, estilista da Spirodiro sabe muito bem aonde pisa. O desfile começa com um vídeo que apresenta o super-herói Mrs. Burguer. Em seguida, para a comoção geral da platéia, um grupo de crianças entra, preparando-se para a apresentação. Sorte das mamães e dos pequenos, a emoção não fica só por conta da presença dos novatos, mas sim, pelo olhar nada ingênuo de Silvia. Com uma moda com cara de moda para esta faixa etária, temos um delicioso parque de diversão de looks. Blusas em patchwork (o trabalho mais lindo), que viram capas, bolsos traseiros nas bermudas dos meninos, que se alongam (seu filho não vai perder nada!), saia vermelha no comprimento exato, e modelagem prática e confortável do jeito que tem que ser. Mas cuidado, essa criança é ousada demais em algum momento. As peças volumosas atrapalham a diversão e alegria dos pequenos! Ao final da brincadeira, as crianças se divertem com a entrada da verdadeira heroína desta história: Silvia, que em um mercado que só se preocupa com o feminino e o masculino, ainda tem a generosidade e a sapiência em olhar para os nossos pequenos. Que tenha vida longa no evento e no mundo da moda!

Um jardim quase secreto – Juliana Moriya

Vencedora do IT MTV Elle Fashion Fabric, a estilista passeia a sua coleção em um jardim urbano. A estamparia remete à paisagem natural, encontrada em um centro urbano. Apesar da funcionalidade das peças, a beleza de moda fica por conta de alguns momentos como o vestido preto de babado, as blusas transparentes pretas (que nós amamos!) e a saia verde de algodão. Na visão geral, no momento do agradecimento da estilista, percebemos que a justificativa da coleção encontra-se nos cinco primeiros looks. Com styling assinado pelo Ganzaro & Proença (Godiva ArtStudio), esse grupo representa a sua coerência, a sua personagem e a sua mulher: urbana, quase cigana com lindos brincos dourados, que mesmo em uma vida agitada como a da cidade, sabe se refugiar em seu jardim secreto.

Rock das Aranhas – O.Sório

Em sua segunda participação na Casa de Criadores, a estilista Anna Paula Osório busca inspiração na vida dos seres que compõem a classe dos aracnídeos. Intitulada de Arachnne, a coleção traz uma cartela de cores entre o cinza, azul, marrom e preto, às vezes permeadas pelo vermelho. O ponto de desconstrução para a estatura destes aracnídeos é a alfaiataria. Destaque para a técnica do século XVI, slashing, que permite cortes estratégicos na vestimenta. Desta descoberta histórica, temos as interessantes bermudas de veludo recortadas, mas que nas calças volumosas não funcionam… Tecidos que vão desde o cotelê, tafetá modal, tricoline de algodão, malha de algodão, microfibra, até o moletom. O tricô aparece para significar o tema escolhido da coleção (aranhas). O styling de Cesar Fassina, ao utilizar sabiamente óculos redondos espelhados, permite a unidade e a bossa da coleção. Temos aí, homens curiosos, investigadores e habilidosos com seu guarda-roupa…

Em defesa da emoção da coerência – Karin Feller

Chego à conclusão de que em moda, existem dois tipos de emoções – se é que podemos caracterizá-las desta forma – a do artista/ gênio e a da coerência. A jovem estilista Karin Feller pertence – pelo menos nesta temporada – a esta última classificação. Em um segundo dia pautado pela aparente falta de emoção – tal como a conhecemos – entendi na apresentação de Karin, a distinção entre as duas formas de se emocionar. Explico. No release de sua coleção, que li após o desfile, uma série de justificativas, como é de se esperar de um texto para imprensa. Inspirada na vida de Amelia Earthart, uma das primeiras mulheres aviadoras a cruzar o Atlântico nos anos 30, a coleção de Inverno é um exercício nada demagogo, por isto necessário, para qualquer criador de moda consciente do mercado, da vida real e de sua identidade. Nos primeiros looks, uma apresentação quase literal e sofisticada da década do entre guerra: casacos com cinturas marcadas, luvas elegantes de cetim preto (adoraria que as moças contemporâneas aderissem), vestidos com recortes geométricos e comprimentos longos. Até aí, nenhuma novidade. O que não sabemos, no entanto, é que Mrs Earthart desapareceu durante sua missão entre Papua Nova Guiné e Honolulu, ao tentar chegar à Ilha de Howland. Tal fato, ainda não comprovado pelos historiadores, foi que permitiu o exercício de coerência de Mrs Feller. Após o quinto ou sexto look, o que temos é uma linearidade e não linearidade das peças deste guarda-roupa. Comprimentos curtos em saias e bermudas, sobreposição de vestidos de diferentes cores e estampas, que contracenam com lã, malha com jacquard, malhas secas em tons de verde petróleo, royal, cinza, coral e off-white. A imagem da mulher soberba e européia do início da década anterior, austera por necessidade, cede lugar a uma menina jovial, pueril e presente no DNA da marca. Ao final, uma longa saia estampada com motivos étnicos e uma camiseta branca com a mesma estampa no peito, “obriga” a modelo a posar no fundo da cena. No telão, uma imagem de um sol dourado, espetaculariza essa mulher perdida em uma Ilha. Daí, por raciocínio visual, entendemos a emoção coerente de Karin Feller: neste episódio, o último talvez, da vida de Amelia Earthart, desde a sua embarcação elegante em tons sóbrios a la 30´s, até a conquista de uma estética tribal, transitamos entre todas as possibilidades do vestir (dia, noite, festa, casual) para a mulher que Feller não perdeu em uma ilha longínqua.

Tudo o que é sólido se desmancha no ar – Weider Silveiro

Com styling apurado de Heleno Manoel, Weider Silveiro deu o seu recado: a rigidez, representada na moda pela alfaiataria masculina, pode muito bem representar o jogo duplo e perigoso em que vivemos. Em um salto histórico esperto, Silveiro busca mostrar estes momentos em duas épocas: a era eduardiana e o recente movimento punk. Interessante pensar nesta dicotomia de referências. De um lado, um período austero, do outro, um período dito como libertário. E é neste duplo que ele exercita uma crítica (autocrítica?) aos conservadorismos vigentes. Antes que o primeiro holofote se acenda, uma modelo posa ao fundo. Fuma desesperadamente, em seu look que (des) combina meia arrastão branca em uma perna e preta em outra. Aliás, basicamente, é esta a cartela: o preto e o branco em diversas tonalidades, ora em um duelo de busca de espaço, ora em harmonia perfeita. Para tempos de caretice e higienismo em pauta, divertidos brincos, colares e pulseiras em forma de cigarro. Golas nos tops volumosos e nos bottons justos com materiais como o couro, o voil de malha, o plástico, o tricoline, a sarja e a lã. Leggings, macacões, pegada junkie, descontente, desconcertante, pós 80´s, pós punk, evidenciados pela presença de tachas, gritam, pedem socorro ao presenciarem a desconstrução da alfaiataria. Ou seria mesmo, a desconstrução de uma sociedade que insistimos em idealizar? Esta talvez seja a melhor imagem do desfile. Um pós fetiche em que não há espaço para tanta liberdade, só para ousar em extremar opostos.

Pegando carona – Top Hat

Alexandre Bucci, empresário atuante há mais de 20 anos no mercado de moda, sabe o que faz. E por este mesmo motivo, poderia entender que a sua marca estreante na Casa de Criadores talvez não tenha o espaço que necessita em um evento neste perfil. Inspirada em um universo tipicamente masculino, o das oficinas de customização de motos e carros, a marca “pega carona” (literalmente) nas imagens das caveiras, para justificar um desfile muito comercial. Não que o comércio não tenha que ter espaço no mercado, mas justamente, a Casa de Criadores é o espaço de reinvenção das normas estéticas deste mercado. Segundo o release da assessoria de comunicação, a coleção pode ser definida – e é justamente, o que notamos – como algo confortável, com silhuetas basic fit, lavagens de aspecto sujo e envelhecido, golas em V, jaquetas bomber e moletons. Materiais como o couro, sarjas pesadas e meia malha peach skin nas cores preto, branco, cinza e vinho, aparecem no make up já abatido de Zombie Boy. Para o público-alvo da Top Hat o desejo foi conquistado. Restam algumas perguntas. Em um evento em que culturalmente permite espaço para criadores, há a necessidade de uma marca que faz o caminho inverso, e tem definido o seu público? Caso a resposta seja positiva, teremos que reformular a perguntar. Este mesmo público, exige, solicita e pede mudanças estéticas criativas em seu guarda-roupa sazonalmente? O hiato que separa o conceito do evento da marca é o mesmo que separa o motoqueiro do asfalto. Deixem então, que este homem que conhece o seu caminho, percorra sua kilometragem à vontade. Dependendo das regras em jogo, na velocidade em que desejar…

Sobre lembranças – Danilo Costa

Uma coleção feminina e masculina onde os pontos de partidas são as memórias afetivas. Atento aos reais desejos de seu consumidor, mas sem perder e abrir mão do exercício criativo, Danilo Costa cria imagens bucólicas, doces e inspiradoras. Jovens que adoram curtir o conforto de casa, e fazer o que desejam. Nem por isto, deixam de respirar a modernidade. Há uma pegada geek, mas sem ser pedante. Há também, um romantismo quase infantil, sem ser piegas. Para os meninos ousados, leggings com estampas de desenhos, que lembram calças de pijamas, sobreposição de camisa floral com camisa rosa, calça mostrada e casaco cool, blusas de lãs rose e a curiosa praticidade de um blazer com mochila acoplada. Para as garotas, camisetas, que com saias de tules fresquinhos, criam um interessante vestido e bolsas de acrílico quadradas. Detalhe para a beleza. Na linha que divide os fios de cabelos, tons de azul e amarelo, evidenciam que essa turma, cheia de boas ideias, aproveitou a saída dos pais e fez uma verdadeira “festa” criativa em seu guarda-roupa.

É preciso falar dos mortos, para ressuscitar os vivos – Der Metropol

Mario Francisco, o estilista-criador da Der Metropol, entrou na passarela para agradecer no espírito de sua coleção: silencioso, introspectivo e reflexivo. Não é de hoje, que a moda e a arte têm buscado inspiração e soluções na estética e na questão da morte. Afinal, em tempos de mudanças geométricas e imprevisíveis, torna-se necessária a crítica para o objeto em questão: o próprio homem. Com trilha sonora melancólica assinada pelo stylist Marcio Banfi, modelos deixaram o glamour totalitário da moda, para dar razão aos sentimentos. Cabisbaixos desfilavam peças que compunham este sentimento: jaquetas estampadas com furos, como se algo faltasse ali; blusa e bermuda marrom com detalhe similar ao arame farpado (a dor da perda), símbolos religiosos como sinônimos de apegos e resistências, celebravam e procuravam entender o significado de um dos signos mais pertinentes e presentes em todas as culturas. Detalhe para o 12º look, um moletom cinza vazado com vermelho e para as nuances de preto (sim, o preto possui nuances) que aparecem no final. Há um contra senso nesta dor. Apesar de todo o clima de fragilidade, este homem sabe por onde anda. Trata-se de um território urbano – os tênis pesados evidenciam – onde a natureza perdeu seu espaço.  Foi com esta imagem de moda, que a Der Metropol encerrou a segunda noite de desfiles da 30ª Casa de Criadores. Silenciosos, plateia, modelos e estilistas procuraram entender o que é o romper, nem que seja ainda, por meio da moda.

Edição: Bruno Capasso
Texto: Brunno Almeida Maia

Fotos: Divulgação / Marcelo Soubhia — Agência Fotosite