174 dias sem John Galliano



“O amor calcula as horas por meses, e os dias por anos; e cada pequena ausência é uma eternidade.” John Dryden
Uma sensação de perda pairava sobre o desfile de Haute Couture da Maison Dior. E nem mesmo as cores alegres ou a colombina de Karlie Kloss foram bem sucedidos para esconder o que estava óbvio: a ausência de Galliano é palpável.



E se relembrar é viver, mais de uma vez, vamos fazer melhor que isso até: nos ater à peculiaridades de John Galliano que talvez muitos tenham esquecido, já que os rostos coloridos e as sobrancelhas arqueadas de Miss Dior não saem de nossa memória.

Filho de um gibraltino com uma espanhola nasceu Juan Carlos Antonio Galliano Guillén em 28 de novembro de 1960 na cidade natal de seu pai, Gibraltar, colônia britânica na Península Ibérica.

Como era de se esperar de um sagitariano John começou sua jornada cedo e aos seis anos de idade se mudou para o distrito gelado de Streatham ao sul de Londres, com seus pais e suas duas irmãs, Immaculada e Rosemary. A família acompanhava o pai de Galliano, que ali seria encanador, para depois partirem para Dulwich, onde fica até hoje a casa da família.



Em 1984 eu nasci, enquanto ele se formava com 16 anos na prestigiada St. Martins College of Art&Design de Londres. Graduado com honra, sua coleção foi intitulada “Les Incroyables”, gíria para classe social – que emergiu no fim da Revolução Francesa, partidária opulência, edonistas por natureza e sempre muito bem acompanhados de suas “Merveilleuses”.

“Eu trabalhei muito duro e estava sempre na biblioteca desenhando sem parar”

Inspirada em Georges Jacques Danton, advogado que se tornou notório na época, os tecidos da coleção foram cozidos com chá para aumentar a sensação de uma peça autentica do século XVIII.



A coleção agradou a fada madrinha Sra. B., dona da South Molton Street, loja fundada em 1970, que tem o costume de “adotar” em seu mix jovens designers como John Galliano, e também é responsável pela difusão de outros talentos na Inglaterra, como Missoni, Sonia Rykiel, Ossie Clark, Giorgio Armani, Comme des Garcons, Donna Karan, Calvin Klein, Krizia, Ralph Lauren, Alexander McQueen e Jil Sander.



As peças de Galliano voaram das vitrines e enlouqueceram a critica, mas isso não foi sulficiente. Em meados de 1990 John estava desiludido, já com algumas dificuldades e decidiu: Por que não Paris?

Se Anna Wintour tivesse asas podemos dizer que Galliano ficou debaixo das suas, mas o que de fato Anna tem é influência. E assim Bernard Arnault entrou para a vida de Galliano e como num passe de mágica tudo aconteceu.



Em meados da década de 90, Galliano era já o mais solicitado estilista de Paris. Mesmo assim, ainda foi uma verdadeira surpresa quando, em 1995, o presidente do grupo de artigos de luxo LVMH (Louis Vuitton Möet Hennessy) anunciou que o inglês tinha sido escolhido para chefiar a equipe de design da Givenchy, substituindo o fundador Hubert Givenchy. E ai temos um marco, um escandalo parisience, uma maison francesa liderada por um inglês! Ultrajante diriam os xenófobos franceses.



E num ato de maior coragem ainda Bernard pouco tempo depois o transferiu. A Christian Dior já estava entrando em decadência e John Galliano passou a assinar a marca para a magia acontecer, e o mito nasceu.



Num cenário ao qual qualquer um gostaria de pertencer, McQueen assume a maison Givenchy e Galliano a Christian Dior.

Sua primeira coleção para a Maison Dior coincidiu com o 50º aniversário da marca e “o menino selvagem da moda inglesa”, como era chamado, começa a trilhar o seu caminho na moda francesa, revolucionando a cada coleção a estética dos anos 30 da marca.

Daí para receber o prêmio “British Fashion Designer of the Year” (designer inglês do ano) quatro vezes, foi um pulo.



Em 2001, John Galliano havia recebido da rainha Elizabeth 2ª, o título de comandante da Ordem do Império Britânico.



Seu primeiro perfume foi John Galliano, com fragrância que combina rosa, bergamota, violeta com notas de âmbar. O ar gótico e a embalagem como que um croqui pintado em aquarela tornou a aura de sedução do perfume ainda maior.



E no inverno de 2009 é lançada sua linha masculina.



Em setembro de 2010 sua segunda investida no ramo cosmético, Parlez-Moi d’Amour, a nova fragrância de John Galliano, tem como garota-propaganda Taylor Momsen.



Em 23 de junho de 2010 foi condecorado cavaleiro da Legião de Honra francesa pelas mãos do presidente Nicholas Sarkozy. Estavam presentes no evento Kate Moss, Stephen Jones e Bernard Arnault.



Por completo a coleção de Haute Couture de primavera 2010 foi sua última obra. Brilhante teve com fonte de inspiração as obras de um antigo colaborador da marca nos anos 40 e 50, René Gruau. As imagens de René ganharam vida e as roupas da maison pinceladas materializadas em vidrilhos e em bordados riquissimos.



Com saida polêmica cercada disse me disse, gravações, polícia e estardalhaço, tudo as vésperas da Semana de Moda de Paris. John sai de cena e a maison coloca a frente sua equipe para sustentar o nome da grife no encerramento da coleção outono 2011.



O anúncio do grupo LVMH foi claro “… Os valores que Monsieur Dior nos ensinou permanecem inalterados. Esses valores são levados adiante pelo grupo maravilhoso e diversificado de pessoas dentro da casa Dior, que dedicam todo seu talento e energia para alcançar o melhor em artesanato e feminilidade, respeitando as habilidades tradicionais e incorporando técnicas modernas.

O coração da casa Dior, que bate invisível, é feito pelas suas equipes e estúdios, pelas costureiras e artesãos, que trabalham duro dia após dia, sem contar as horas, carregando o valor e a visão de Monsieur Dior.

O que você verá agora é o resultado dos esforços extraordinários, criativos e maravilhosos desses fiéis trabalhadores…”

Mas como bem questinou Tim Blanks em sua resenha sobre o último desfile da Dior: what’s going to happen next?!?



FELIPE HICKIMAN
felipehickiman@brrun.com

Fotos: Divulgação / Arquivo BRRUN.COM